Não
se pode negar a Garcia Lorca o papel de um dos mais
representativos poetas espanhóis das
três primeiras décadas de nosso século, com expressiva
repercussão até os dias
atuais. Inegavelmente foi aquele que, conseguiu alcançar os
patamares da fama e despertar
maior entusiasmo dentre todos entre os de sua geração.
Na poesia
lorquiana aliam-se, de maneira maravilhosa, todos
os elementos da poesia e da alma espanhola. É o poeta da imagem
plena de louçania e de
originalidade, da sugestão, do verso musical e cheio de luzes
interiores que brota com
espontaneidade de seu coração...
(trechos
da apresentação feita por Ático Vilas-Boas da Mota, para o
livro "Federico Garcia Lorca - Obra Poética Completa",
traduzido por William Agel de Melo e publicado pela Martins
Fontes e Editora
Universidade de Brasília - 1989 )
QUE LHE ESCREVA
Amor de
minhas entranhas,
morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A
pedra
inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te
sofri. Rasguei-me
as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.
Enche, pois, de
palavras
minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
Deixaria neste
livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.
Que pena dos
livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam !
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam !
Que tristeza tão
funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !
Ver passar os
espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,
ver a vida e a
morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.
Um livro de
poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,
e a voz que os
lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.
O poeta é uma
árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.
O poeta é o
médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.
O poeta
compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.
Sabe que as
veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.
Nos livros de
versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas
que fizeram ao
poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.
Poesia é
amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.
Poesia é o
impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.
Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.
Livros doces de
versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.
Oh ! que penas
tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam !
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam !
Deixaria neste
livro
toda a minha alma...
toda a minha alma...
Assassinado pelo
céu,
entre as formas que vão para a serpente
e as formas que buscam o cristal,
deixarei crescer meus cabelos.
entre as formas que vão para a serpente
e as formas que buscam o cristal,
deixarei crescer meus cabelos.
Com a árvore de
tocos
que não canta
e o menino com o branco rosto de ovo.
e o menino com o branco rosto de ovo.
Com os
animaizinhos de
cabeça rota
e a água esfarrapada dos pés secos.
e a água esfarrapada dos pés secos.
Com tudo o que
tem cansaço
surdo-mudo
e mariposa afogada no tinteiro.
e mariposa afogada no tinteiro.
Tropeçando com
meu rosto
diferente de cada dia.
Asassinado pelo céu !
Asassinado pelo céu !
Tenho muito medo
das folhas mortas,
medo dos prados
cheios de orvalho.
eu vou dormir;
se não me despertas,
deixarei a teu lado meu coração frio.
das folhas mortas,
medo dos prados
cheios de orvalho.
eu vou dormir;
se não me despertas,
deixarei a teu lado meu coração frio.
O que é isso que
soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
Pus em ti
colares
com gemas de aurora.
Por que me abandonas
neste caminho ?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e a verde vinha
não dará seu vinho.
com gemas de aurora.
Por que me abandonas
neste caminho ?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e a verde vinha
não dará seu vinho.
O que é isso que
soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
Nunca saberás,
esfinge de neve,
o muito que eu
haveria de te querer
essas madrugadas
quando chove
e no ramo seco
se desfaz o ninho.
esfinge de neve,
o muito que eu
haveria de te querer
essas madrugadas
quando chove
e no ramo seco
se desfaz o ninho.
O que é isso que
soa
bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
(
tradução:
William Agel de Melo ) bem longe ?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu !
No dia 18 de Outubro de 1929, em Nova Iorque, Federico García Lorca
escrevia o poema "Crucifixión".
Excerto do poema visível na
imagem:
(...)
La muchedumbre cerraba las puertas
y la lluvia bajaba por las calles decidida a mojar el corazón
mientras la tarde se puso turbia de latidos y leñadores
y la oscura ciudad agonizaba bajo el martillo de los carpinteros.
Esa maldita vaca
tiene las tetas llenas de perdigones,
dijeron los fariseos.
Pero la sangre mojó sus pies y los espíritus inmundos
estrellaban ampollas de lagunas sobre las paredes del templo.
Se supo el momento preciso de la salvación de nuestra vida.
Porque la luna lavó con agua
las quemaduras de los caballos
(...)
Recentemente, o governo espanhol comprou por 30.757 euros o manuscrito do poema.
La muchedumbre cerraba las puertas
y la lluvia bajaba por las calles decidida a mojar el corazón
mientras la tarde se puso turbia de latidos y leñadores
y la oscura ciudad agonizaba bajo el martillo de los carpinteros.
Esa maldita vaca
tiene las tetas llenas de perdigones,
dijeron los fariseos.
Pero la sangre mojó sus pies y los espíritus inmundos
estrellaban ampollas de lagunas sobre las paredes del templo.
Se supo el momento preciso de la salvación de nuestra vida.
Porque la luna lavó con agua
las quemaduras de los caballos
(...)
Recentemente, o governo espanhol comprou por 30.757 euros o manuscrito do poema.
"A guitarra
faz soluçar os sonhos.
O soluço das almas
perdidas
foge por sua boca
redonda.
E, assim como a tarântula,
tece uma grande estrela
para caçar suspiros
que bóiam no seu negro
abismo de madeira."
faz soluçar os sonhos.
O soluço das almas
perdidas
foge por sua boca
redonda.
E, assim como a tarântula,
tece uma grande estrela
para caçar suspiros
que bóiam no seu negro
abismo de madeira."
Federico Garcia Lorca
Um comentário:
Bom dia, amiga Fátima.
Que escolha linda...
Era tanto sentimento nesses poemas, que por certo, o amor era mais verdadeiro, era mais sentido. Mais puro também.
Desejo-lhe uma excelente semana.
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